quarta-feira, 18 de maio de 2016

O Discurso Pessoal e Marcas de Subjetividade em Camões

“Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso dos meus anos;
Dei causa a que a fortuna castigasse
As minhas mais fundadas esperanças.

De amor não vi se não breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Gênio de vinganças!"          (Luís de Camões)

   O trabalho primeiro de um poeta é observar. Sendo assim, pode-se dizê-lo espectador da vida, dos homens e suas questões e da sociedade. A observação desses elementos, no entanto, é comum a quase toda a gente e o que irá defini-lo como poeta será o trabalho intelectual com as palavras resultante dessas observações (que à maioria não geram muito além de pensamentos evanescentes).
   Escrever poesia é, também, comunicar-se com a realidade pelo pequeno e frágil fio das palavras. E é exatamente por esse fio que se estabelecerá o jogo da subjetividade e o fingimento poético.
   Assim, para analisarmos o poema de Camões (e qualquer outro poema), precisamos nos afastar da tentação de associá-lo à vida empírica do autor.
Entendamos, então, sob essa perspectiva, a 1ª estrofe:

   “Erros meus, má fortuna, amor ardente
    Em minha perdição se conjuraram;
    Os erros e a fortuna sobejaram,
    Que para mim bastava amor somente.”
O eu-poético se apresenta perdido por causa dos “erros”, da “má fortuna” e do “amor ardente”, no entanto, é importante ressaltar que se o poeta estivesse perdido, jamais escreveria versos tão bem trabalhados.
   Fica evidente, assim, o jogo que se estabelece entre a subjetividade do autor e a poesia, que é um produto estético da percepção do poeta e não exatamente de sua própria vivência.
   O tom melancólico que se segue é simulacro artístico que culmina em um efeito de desilusão e pesar em relação à vida amorosa. “De amor não vi se não breves enganos.”
   O que não quer dizer, como já dito exaustivamente, que a vida de Camões tenha sido perpassada por esses desenganos. O poeta como observador é o ser capaz de entender determinados sentimentos sem tê-los sentido de fato, mas há que se ponderar também que o autor de poesia não estará completamente desvinculado do que escreve.



A razão capital para tal fato é que o poeta jamais conseguirá eliminar totalmente as marcas de sua subjetividade da poesia que escreve. Afinal, o que marca o processo de escrita são os caminhos estéticos que o autor escolhe percorrer e, como toda escolha passa necessariamente pela subjetividade, o poeta nunca deixa de se colocar também em sua poesia, ainda que esta possa parecer impessoal e distanciada de sua pessoa à primeira vista.
No caso específico de Camões, percebemos que o que marca sua poesia são as experiências de sua formação e o acúmulo de conhecimentos filosóficos e religiosos que adquiriu, são exatamente esses elementos que dão as diretrizes para o caminho estético que Camões irá percorrer.
   Supomos, assim, que a vinculação do poeta com a sua obra pode se dar em dois níveis: um necessário e primordial, que é marcado pelas escolhas que este faz, em termos estéticos, que estão intimamente relacionadas às suas preferências, à sua percepção e à sua subjetividade e dará a “aura” de sua poesia e outro dispensável para qualquer análise de poesia, ou literatura em geral, que associa sua obra à sua vida pessoal ou amorosa.


Álvaro de Campos em Acaso, disse:
“Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.”

Ele considera, assim, que o poeta possui a “alma virada do avesso” e que é isso que o possibilita de escrever versos. Após as reflexões acima desenvolvidas, concluímos que quando ele diz ser o poeta possuidor dessa “alma virada do avesso”, ele a relaciona à agudeza de sua percepção e não a uma possível tristeza que deva ser considerada em uma análise mais compromissada.
   Dessa forma, percebemos que mais importante que identificar traços da vida pessoal do poeta em sua obra, é perceber qual viés estético-perceptivo perpassa os caminhos de sua escrita e marca sua subjetividade

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